terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Porre

Verdades e tetas
Um passo a frente
Malditas horas matutinas
Perdidas como promessas
Vazias de significado
Debruçado sobre perguntas
Que não me dizem nada
Espero os momentos passarem
Sonhando acordado com
Verdades e tetas
Um passo a frente
Mentiras e bucetas
Um brinde a quem me detesta
Sou mais forte por ser burro
Sou tão burro quanto sou forte
Agora até logo e boa sorte.

“Este texto é uma brincadeira em homenagem ao Charles Bukowski.”

10/01/2012
20:34hrs
Marcelo Riboni

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Poema Sem Nome

Eu sou poeta, sou um rei, sou um mentiroso.
Escrevo com sangue e lagrimas
A verdade, sem normalidade
Sem limite, na quebra do verso
Registro o pensamento errado
Torto, sem nada dentro,
Cabeça de vento,
Invento meu mundo
Ate o ponto final.

Marcelo Riboni
28/10/2011

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Em defesa da Obra

As corporações da mídia querem que os escritores trabalhem de graça, não façam arte e exponham a vida privada na internet – e contam com o apoio de Paulo Coelho

por Bernardo Carvalho


A primeira coisa que me vem à cabeça quando falam das novas relações entre público e privado é a ideia de autoria. Provavelmente, por vício de escritor – e de escritor anacrônico. Há alguns anos, a revista The New Yorker publicou uma longa reportagem sobre a disputa entre os herdeiros de James Joyce e uma pesquisadora da Universidade Stanford, na Califórnia, pelos direitos de publicação da correspondência do escritor. O artigo pintava um quadro favorável à pesquisadora, apresentada como vítima dos herdeiros de Joyce, que proibiam o acesso à sua correspondência íntima. E a transformava em símbolo da necessidade de uma legislação mais democrática, condizente com as exigências estabelecidas pelo uso da internet. A reportagem estava em sintonia com os princípios do Creative Commons e de outras propostas alternativas ao tradicional, restritivo e cada vez mais insustentável copyright, o direito autoral.

O Creative Commons foi concebido como um desdobramento natural do mundo informatizado. Nele, cada vez mais se consolida o consenso em torno da visibilidade absoluta e do acesso irrestrito às informações e às obras, como valor democrático básico, em conformidade com o que prega o WikiLeaks na esfera da política. A utilidade do Facebook e do Twitter, como ferramentas para burlar a censura e organizar movimentos pró-democracia em ditaduras como Irã, China e, mais recentemente, nos países árabes do Mediterrâneo, é um forte argumento a favor desse consenso.

A reportagem deplorava que uma obra de interesse público (cartas que revelariam a vida privada do escritor) estivesse nas mãos de herdeiros estúpidos, que, por pudor ou ganância, dispunham de seus direitos hereditários contra o bom-senso, a livre-circulação da informação e, em consequência, o progresso da humanidade. O Creative Commons seria, então, uma forma de libertar as obras do controle dos autores e de defender o público. E também restringiria o direito despótico de herdeiros sobre obras com as quais eles não têm, necessariamente, algo a ver.
Não haveria nada errado nesse ajuste de contas, até porque o Creative Commons permite ao autor decidir o quanto deseja ceder dos seus direitos. Não há nada de errado em defender o bem comum e o progresso de todos contra as restrições impostas pela propriedade privada e o privilégio de poucos. Mas quem é que falou em propriedade privada? É aí que começam os problemas e contradições.

O Creative Commons – assim como o “licenciamento global”, que propõe ao internauta pagar uma taxa proporcional à quantidade de downloads que fizer – busca adaptar o direito autoral a uma situação de fato e irreversível. Essas iniciativas buscam alternativas a esse direito, condenado à morte pela nova economia da informação. Mas, a despeito das boas intenções, elas só se propõem a agir no lado mais frágil do direito de propriedade, aquele que diz respeito ao trabalho intelectual individual e, sobretudo, ao trabalho intelectual circunscrito às artes e à cultura. Por quê?
Porque é apenas o direito de propriedade intelectual individual que cria obstáculos à “nova” relação de propriedade. Nenhuma empresa abrirá mão de suas patentes científicas ou industriais em nome da visibilidade, do bem comum ou do direito à informação. A começar pelas próprias corporações de mídia eletrônica – elas estão interessadas, isto sim, na adoção de um modelo flexível de licenciamento e difusão de conteúdo.

O Google, por exemplo, não pretende tornar disponível a usuários e competidores o saber por trás de seus serviços – e não é por acaso que mantém sigilo desse saber, a ponto de nenhuma informação sobre a empresa aparecer no próprio Google, que em princípio deveria ter acesso a tudo. Ninguém, a começar pelos fundadores do Creative Commons, pensa em pôr em questão o direito de herança e de propriedade sobre bens materiais e corporativos.

A propriedade intelectual é um instrumento recente do capitalismo: o direito de autor só foi internacionalmente reconhecido e oficializado no final do século xix, a partir da Convenção de Berna. No capitalismo tardio informatizado, entretanto, ela se tornou um problema e uma contradição para as corporações cujo trunfo é a circulação de conteúdo intelectual, não sua produção. Para elas, é fundamental que o trabalho intelectual seja barato ou gratuito. E, para isso, é preciso que ele seja indiferenciado, que o seu valor seja medido unicamente de modo quantitativo, cumulativo – e não qualitativo ou subjetivo. É imprescindível que o valor seja determinado pela regra, e não pela exceção.

A exceção fica ainda mais desautorizada e desprestigiada – e parece ainda mais antidemocrática e elitista – quando já não há lugar para o direito autoral individualizado. Não é fortuito que associações de roteiristas de cinema tenham passado a reivindicar o reconhecimento de seus membros como autores literários – e a defender uma mudança na lei dos direitos autorais que a torne mais abrangente. Com isso, eles reiteram o princípio de indiferenciação que tanto interessa aos grandes conglomerados da internet. Roteiristas trabalham com normas e regras. Há regras para ser um bom roteirista, e elas atendem sobretudo ao modelo do cinema industrial. Não existe bom roteirista para filme experimental, por exemplo. O bom roteirista é o que domina a excelência de uma série de normas dramáticas e narrativas.
A exceção, nas artes, é imponderável e intransmissível. E está necessariamente ligada a um ideal de individualidade, de subjetividade e de autoria individual. A norma faz parte do domínio da indiferenciação, onde todos se equivalem, podem dançar com pequenas variações, mas conforme a mesma música,determinada por uma série de regras e diretrizes. Sem querer, ao reivindicar o mesmo reconhecimento dos autores literários, os roteiristas endossam a vocação do mercado, sob a égide da internet, e a tendência crescente de associar valores subjetivos e qualitativos de exceção ao autoritarismo. O único valor possível e democrático passa a ser o do direito à expressão e à opinião, em nome de uma igualdade sem hierarquias, capaz de tornar equivalente tudo o que se escreve, desde um blog, um roteiro de cinema, até um romance de Joyce.

Numa entrevista recente ao New York Times, apresentado como modelo de escritor para os novos tempos, por saber se servir da gratuidade da internet para vender ainda mais livros, Paulo Coelho declarou que Borges foi a sua maior influência. E o entrevistador não o contestou. Seja porque não tinha condições críticas para tanto, seja porque isso não interessava ao objetivo da entrevista. Banidos os critérios da subjetividade, já não há como distinguir entre um texto de Joyce e um Paulo Coelho ou um apócrifo, por mais incoerente que seja a impostura aos olhos de um leitor educado. A única medida de prestígio passa a ser o número de acessos ou de leitores. Até aí, trata-se de um velho princípio de mercado. A única diferença é que, ao suplantar todo e qualquer valor subjetivo, o mercado agora permite a Paulo Coelho dizer que é herdeiro de Borges sem causar espécie.

A consequência é simples: enquanto tudo for percebido como equivalente, não haverá necessidade de pagar (mais) pela diferença. E se o alcance da diferença é sempre restrito, seu valor, pela lógica do mercado, só pode ser insignificante. O valor da diferença é substituído pelo da quantidade. Hoje, temos acesso a tudo, mas sabemos cada vez menos distinguir uma coisa de outra. E é essa substituição, basicamente, que distingue a escola da internet. E a crítica da opinião. E o que faz da educação um paradoxo dentro dessa nova economia.

A escola é o lugar da transmissão e da regra, mas nela somos forçados a aprender o que não sabemos e mesmo o que não queremos, e só essa obrigação é capaz de alargar o nosso conhecimento. O aprendizado depende de esforço. Já na internet, procuramos o que já conhecemos, ou o que tem algo a ver com o que já conhecemos. O interesse das novas corporações é capitalizar esse prazer, não contradizê-lo. Em princípio infinita, a amplitude do campo de conhecimento na internet, pelo próprio modo da busca, passa a ser repetitiva e limitada, homogeneizante. A ausência de hierarquias culturais e subjetivas faz parte do próprio princípio de busca na internet. E é revelador que a grande invenção, imediatamente patenteada pelo Google, tenha sido um algoritmo que permitiu estabelecer uma nova regra de ordenação nos sites de busca, uma nova hierarquia, baseada no cruzamento dos sites e páginas individuais mais acessados, num sistema que se autorreproduz, associando prestígio e valor ao número de links e acessos.

Anselm Jappe, um jovem crítico marxista (é difícil pensar hoje numa definição mais anacrônica), mostrou num livro recente, Crédit à Mort, como certa esquerda, na sua luta contra o elitismo, quis “abolir as hierarquias onde elas podem ter um sentido”. Por exemplo, as hierarquias “da inteligência, do gosto, da sensibilidade, do talento”. Só a existência de uma escala de valores subjetivos pode negar e contestar “a hierarquia do poder e do dinheiro, que impera quando negamos toda hierarquia cultural”. O narcisismo é o contrário da diferenciação e da exceção. “Não ajudar alguém a desenvolver sua capacidade de diferenciação significa condená-lo a um infantilismo perpétuo”, escreve Jappe. “A virtualização do mundo é também um estímulo aos desejos infantis todo-poderosos.”

Não é à toa que essa crítica nos soe tão anacrônica. Ela insiste na diferença entre crítica e opinião. E no mundo da internet, a crítica é cada vez mais desvalorizada como autoritária e coercitiva, porque impõe valores, em parte subjetivos, que não são necessariamente os da maioria. A crítica contradiz o mundo do Eu, o mundo da opinião. Ela pressupõe uma hierarquia subjetiva, um sujeito de autoridade, que supostamente sabe mais que os outros, enquanto a opinião passa a representar a igualdade do que é comum e imediatamente acessível a todos. A opinião é o juízo ao alcance de todos, baseado no gosto e na experiência de cada um, sem hierarquias nem coerções. E, se há um consenso em torno da democracia em todas as esferas sociais, não haveria por que não pensar que a arte também deve ser democrática.

É sintomático, nesse sentido, que a avaliação da literatura, ao contestar a imposição arbitrária de um cânone, tenha passado da análise da dimensão subjetiva das obras para o interesse pela experiência (histórica e biográfica) objetivamente mensurável dos autores. Tampouco é casual que essa passagem se faça acompanhar por uma atenção crescente a obras de não ficção, ou baseadas em “histórias reais”. Contra a arbitrariedade subjetiva do cânone ocidental, o espírito democrático do multiculturalismo teve de privilegiar na obra a expressão de uma experiência mensurável e extraliterária (de classe, gênero, raça, origem etc.), reduzindo a produção de subjetividade à representação e expressão da experiência do autor.
Esse novo paradigma acaba gerando desdobramentos perversos, forjando imposturas, oportunismos e contradições nos quais o interesse final das corporações é defendido pelos próprios indivíduos, críticos e consumidores, sempre em nome da democracia e de um suposto bem-estar comum. A obra de arte é reduzida a um serviço à comunidade e à humanidade, conforme a imagem do trabalho voluntário das ONGs e da própria rede de informação. Se os serviços prestados pelo Google são gratuitos, com que direito a obra de arte ou literária exige ser remunerada? A comodidade dos serviços prestados pelo Google lhe garante um paradigma divino e incontestável, sobretudo entre os jovens que desconhecem – mas podem imaginar, como fantasma – os horrores de um mundo sem o Google.

Pode soar como piada, mas o mandamento oficial do Google é Don’t Be Evil (Não seja mau). Google e democracia passam a ser sinônimos. E assim, para o bem da humanidade, assumindo o papel de entidade suprema e legisladora, a empresa se sente no direito de digitalizar e oferecer gratuitamente tudo o que estiver publicado no mundo, sem a autorização dos autores, que, sem terem sido avisados de nada, devem tomar a iniciativa de se manifestar a tempo no caso de não concordar com a publicação gratuita de seus próprios livros. Cabe lembrar que o projeto só não foi levado a cabo por interferência do Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que entrou em cena para frear as ambições da empresa.

Faz sentido que, nesse mesmo mundo, a ideia do fim do artista, do término do gênio criador individual e da arte como provocação subjetiva e idiossincrática, em nome de uma criatividade generalizada e socializante, também seja promovida por uma parte influente da crítica, sob pretextos políticos e sociais. Se alegam que o artista individual, autor de uma obra de exceção, é um aspecto anacrônico e reacionário do romantismo, é porque de certo modo isso também serve a uma necessidade de sobrevivência da crítica, que precisa se sobrepor ao seu objeto de estudo, negando-lhe autonomia. É o que justifica a passagem do foco do artista para o curador, e o curador reivindicar o papel de coautor de exposições. Em certos casos, o curador pode até substituir os artistas, como na 28ª Bienal de São Paulo, que ficou conhecida como Bienal do Vazio. Entretanto, vai ficando claro que é menos o autor e mais a obra que precisa morrer. Por quê?

Reciclada para os tempos atuais, a ideia da morte do autor, que em Foucault e Barthes se inseria num contexto totalmente diverso, revela uma disputa entre a crítica e o seu objeto. Isso ocorre num momento em que a própria crítica torna-se prescindível pelo mesmo princípio de desautorização das exceções e das hierarquias, em nome de uma “opiniocracia”. A necessidade de estabelecer valores coletivos e generalizados, reduzindo a arte, é a palavra de ordem, aparentemente libertária, de festivais como o Burning Man, em Nevada, nos Estados Unidos. O Burning Man é regido por uma série de mandamentos retóricos, como “autoexpressão, esforço comum, participação, ‘desmercantilização’, doação, inclusão” e outros princípios morais e cívicos. E é especialmente emblemático que as obras criadas no festival acabem sendo queimadas num auto de fé, como manifestação ao mesmo tempo ambientalista (para não abandonar resíduos no deserto) e simbólica, contrária à mercantilização da arte.
Também o consumidor de cultura, cujo narcisismo é alimentado pelo Facebook e Twitter (que o incitam a se expor o tempo inteiro, exercendo não apenas seu direito de participar da vida pública, mas também mimetizar celebridades), pode terminar combatendo toda hierarquia e exceção. Ao se privilegiar as obras, se pressupõe que nem todos podem ser autores, e que nem todas as autorias são iguais. E nada mais natural, depois de tanto esforço de marketing a celebrar a figura do autor, que a obra tenha passado a ocupar um lugar secundário e insignificante.

A exemplo da lógica perversa da cultura da celebridade, que, ao se reproduzir indiscriminadamente cria sempre mais anonimato, a autoria também passou a ser vista como sinônimo de visibilidade, uma forma privilegiada de estar e aparecer no mundo, em detrimento das obras. E são as grandes corporações da internet que acabam colhendo os frutos dessa estratégia, são elas que nos proporcionam afinal o sonho de sermos célebres autores de nós mesmos. São elas que nos vendem a miragem de transformar cada detalhe da nossa vida privada em evento público. Por uma razão muito simples: o lucro dessas novas empresas depende unicamente do conhecimento dos desejos íntimos dos consumidores.

Num texto esclarecedor sobre a “Política da Literatura”, Jacques Rancière lembrou que “a constituição da vida privada, que é em si mesma suficientemente satisfatória para que as pessoas renunciem à vida pública”, coincidiu com a noção da arte feita para o indivíduo, pelo indivíduo, o autor. Rancière mostra como a ideia do autor como gênio criador individual, ideia contemporânea ao advento dos direitos autorais e do individualismo da revolução burguesa, acabou associada a uma concepção da arte que foi ultrapassada já por Flaubert e Mallarmé.
No entanto, num pequeno texto (“Autor morto ou artista vivo demais?”) publicado na Folha de S.Paulo ainda em 2003, Rancière explicou que, ao contrário do que se convencionou chamar de culto do autor, a noção de gênio é bem mais complexa e está originalmente ligada ao conceito da obra como expressão de uma força anônima. O gênio não é apenas a representação de uma individualidade – uma força anônima o atravessa e termina por se expressar.

A sentença de morte do autor, contudo, repetida há trinta anos por filósofos e críticos, nunca impediu nenhum artista de reivindicar seus direitos; deve, portanto, ser reavaliada à luz da informática. O que aconteceu desde então? Segundo Rancière, o que sobrou do autor no mundo contemporâneo é justamente a ideia de propriedade. Mas essa propriedade já não pode se referir à obra, seja porque já não se acredita em originalidade, seja porque a obra é resultado da combinação de elementos de outras obras preexistentes, como no caso dos djs, seja porque a obra se tornou conceito, como no caso das artes plásticas.

A ideia de obra mudou. O artista passou a ser proprietário da ideia, assim como o inventor detém a patente do seu invento. E é natural que, em reação a essa propriedade, que pode incorporar tudo o que está ao redor, o que já existe no mundo, venha se contrapor um direito de imagem (daquilo que é usado como elemento para compor a obra – como os sujeitos fotografados, no caso da fotografia). E a autoria acaba, assim, correndo o risco de ser confinada à negociação entre proprietários de ideias e proprietários de imagem.

Rancière mostra – e é aí que as coisas ficam mais interessantes, no que diz respeito à literatura – que a autobiografia vem resolver esse impasse, fazendo as duas propriedades coincidirem: “Hoje, o autor por excelência é supostamente aquele que explora o que já lhe pertence, a sua própria imagem.” A propriedade migrou da obra para a biografia, para a vida do artista. Só resta ser autor da sua vida privada e expressá-la como obra. O autor hoje é o que explora a sua própria imagem. Os blogs e páginas pessoais na internet são a expressão generalizada e vulgarizada desse fenômeno.

Se a obra foi reduzida à vida e à visibilidade do autor, é compreensível que já não possa haver herdeiros de um autor morto. Também é compreensível que a obra, já não sendo exceção, tampouco exista, uma vez que foi igualada à vida, ao que é comum a todos. Ao autor só resta tornar-se cada vez mais público. Não é um acidente que não exista autocrítica na internet, a não ser como disfarce de mais autopromoção. É essa a lógica que, encobrindo os interesses corporativos, justifica o fim dos direitos autorais individuais, segundo valores subjetivos da obra, em nome de uma medida baseada em critérios quantitativos de mercado. Como tudo o que existe agora também deve existir na internet, o que não é acessado simplesmente inexiste. É o destino da exceção.

O mais terrível é que, expondo a vida privada como obra pública, e cuja eventual remuneração só pode ser feita com base em dados de acesso e seguidores que se identificam com essa vida e com essa opinião, ao autor cabe negociar o que seriam seus direitos intelectuais segundo a lógica de uma empresa de mídia. É assim que o chamado “valor social” (a capacidade que os indivíduos têm de influenciar uns aos outros através de suas opiniões em blogs, Twitters e páginas pessoais em sites de relacionamento) começa a despertar interesse no mercado virtual. Porque, a partir do momento em que a obra é reduzida à expressão da vida privada e ao marketing do autor, ela também passa a ser veículo potencial de publicidade e encontra no chamado merchandising uma remuneração possível.
Mais de 95% do lucro do Google vem da publicidade. Toda a estratégia da empresa depende do conhecimento, do acesso e da comercialização dos desejos, dos gostos e dos interesses dos usuários. Toda a economia da informação gratuita precisa que a vida privada seja exposta como pública, formando um mapa mundial dos desejos e do gosto, para que haja lucro.

Mais do que o autor, era a obra que precisava morrer como exceção, como produção de subjetividade, exercício de imaginação e transgressão, para renascer como veículo e instrumento de mercantilização da opinião e do gosto, para que todos nós nos tornássemos autores de nós mesmos, e o privado pudesse afinal não apenas ser lido, mas vendido como público. Se a exceção passa a ser sinônimo de injustiça e antidemocracia, a transgressão é reduzida a crime. Mas podemos ficar sossegados, porque onde tudo é público não há lugar para transgressão.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

A epidemia de doença mental

Por que cresce assombrosamente o número de pessoas com transtornos mentais e de pacientes tratados com antidepressivos e outros medicamentos psicoativos
por Marcia Angell

Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.
No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de Down.
Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.
As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem fobias e estresse pós-traumático; “transtornos de humor”, como depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controle dos impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de déficit de atenção/hiperatividade; e “transtornos causados pelo uso de substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos pesquisados se encaixava em mais de um diagnóstico.
O tratamento médico desses transtornos quase sempre implica o uso de drogas psicoativas, os medicamentos que afetam o estado mental.Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente necessária.
A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como tratamento majoritário coincide com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público, bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.
O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.

O que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão?
Essas são as questões que preocupam os autores de três livros provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações: Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é um psiquiatra que clinica num subúrbio de Boston.
Os autores enfatizam diferentes aspectos da epidemia de doença mental. Kirsch está preocupado em saber se os antidepressivos funcionam. Whitaker pergunta se as drogas psicoativas não criam problemas piores do que aqueles que resolvem. Carlat examina como a sua profissão se aliou à indústria farmacêutica e é manipulada por ela. Mas, apesar de suas diferenças, os três estão de acordo sobre algumas questões importantes.
Em primeiro lugar, concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.
Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro. Whitaker conta que essa teoria surgiu pouco depois que os remédios psicotrópicos foram introduzidos no mercado, na década de 50. O primeiro foi o Amplictil (clorpromazina), lançado em 1954, que rapidamente passou a ser muito usado em hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos, sobretudo os com esquizofrenia. No ano seguinte, chegou o Miltown (meprobamato), vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatoriais. Em 1957, o Marsilid (iproniazid) entrou no mercado como um “energizador psíquico” para tratar a depressão.
Desse modo, no curto espaço de três anos, tornaram-se disponíveis medicamentos para tratar aquelas que, na época, eram consideradas as três principais categorias de doença mental – ansiedade, psicose e depressão – e a psiquiatria transformou-se totalmente. Essas drogas, no entanto, não haviam sido desenvolvidas para tratar doenças mentais. Elas foram derivadas de remédios destinados ao combate de infecções, e se descobriu por acaso que alteravam o estado mental.
No início, ninguém tinha ideia de como funcionavam. Elas simplesmente embotavam sintomas mentais perturbadores. Durante a década seguinte, pesquisadores descobriram que essas drogas afetavam os níveis de certas substâncias químicas no cérebro.

Um pouco de pano de fundo, e necessariamente muito simplificado: o cérebro contém bilhões de células nervosas, os neurônios, distribuídos em redes complexas, que se comunicam uns com os outros constantemente. O neurônio típico tem múltiplas extensões filamentosas (uma chamada axônio e as outras chamadas dendritos), por meio das quais ele envia e recebe sinais de outros neurônios. Para um neurônio se comunicar com outro, no entanto, o sinal deve ser transmitido através do minúsculo espaço que os separa, a sinapse. Para conseguir isso, o axônio do neurônio libera na sinapse uma substância química chamada neurotransmissor.
O neurotransmissor atravessa a sinapse e liga-se a receptores no segundo neurônio, muitas vezes um dendrito, ativando ou inibindo a célula receptora. Os axônios têm vários terminais e, desse modo, cada neurônio tem múltiplas sinapses. Depois, o neurotransmissor é reabsorvido pelo primeiro neurônio ou metabolizado pelas enzimas, de tal modo que o status quo anterior é restaurado.

Quando se descobriu que as drogas psicoativas afetam os níveis de neurotransmissores, surgiu a teoria de que a causa da doença mental é uma anormalidade na concentração cerebral desses elementos químicos, a qual é combatida pelo medicamento apropriado.
Por exemplo: como o Thorazine diminui os níveis de dopamina no cérebro, postulou-se que psicoses como a esquizofrenia são causadas por excesso de dopamina. Ou então: tendo em vista que alguns antidepressivos aumentam os níveis do neurotransmissor chamado serotonina, defendeu-se que a depressão é causada pela escassez de serotonina. Antidepressivos como o Prozac ou o Celexa impedem a reabsorção de serotonina pelos neurônios que a liberam, e assim ela permanece mais nas sinapses e ativa outros neurônios. Desse modo, em vez de desenvolver um medicamento para tratar uma anormalidade, uma anormalidade foi postulada para se adequar a um medicamento.
Trata-se de uma grande pirueta lógica, como apontam os três autores. Era perfeitamente possível que as drogas que afetam os níveis dos neurotransmissores pudessem aliviar os sintomas, mesmo que os neurotransmissores não tivessem nada a ver com a doença. Como escreve Carlat: “Por essa mesma lógica, se poderia argumentar que a causa de todos os estados de dor é uma deficiência de opiáceos, uma vez que analgésicos narcóticos ativam os receptores de opiáceos do cérebro.” Ou, do mesmo modo, se poderia dizer que as febres são causadas pela escassez de aspirina.
Mas o principal problema com essa teoria é que, após décadas tentando prová-la, os pesquisadores ainda estão de mãos vazias. Os três autores documentam o fracasso dos cientistas para encontrar boas provas a seu favor. Antes do tratamento, a função dos neurotransmissores parece ser normal nas pessoas com doença mental. Nas palavras de Whitaker:
Antes do tratamento, os pacientes diagnosticados com depressão, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos não sofrem nenhum “desequilíbrio químico”. No entanto, depois que uma pessoa passa a tomar medicação psiquiátrica, que perturba a mecânica normal de uma via neuronal, seu cérebro começa a funcionar... anormalmente.
Carlat refere-se à teoria do desequilíbrio químico como um “mito” (que ele chama de “conveniente” porque reduziria o estigma da doença mental). E Kirsch,cujo livro centra-se na depressão, resume a questão assim: “Parece fora de dúvida que o conceito tradicional de considerar a depressão como um desequilíbrio químico no cérebro está simplesmente errado.” (O motivo da persistência dessa teoria, apesar da falta de provas, é um tema que tratarei adiante.)
Os remédios funcionam? Afinal de contas, independentemente da teoria, essa é a questão prática. Em seu livro seco e extremamente cativante, The Emperor’s New Drugs [As Novas Drogas do Imperador], Kirsch descreve os seus quinze anos de pesquisa científica para responder a essa pergunta, no que diz respeito aos antidepressivos.
Quando começou o trabalho em 1995, seu principal interesse eram os efeitos de placebos. Para estudá-los, ele e um colega revisaram 38 ensaios clínicos que comparavam vários tratamentos da depressão com placebos, ou comparavam a psicoterapia com nenhum tratamento. A maioria dessas experiências durava de seis a oito semanas, e durante esse período os pacientes tendiam a melhorar um pouco, mesmo se não tivessem nenhum tratamento.
Mas Kirsch descobriu que os placebos eram três vezes mais eficazes do que a ausência de tratamento. Isso não o surpreendeu. O que o surpreendeu mesmo foi que os antidepressivos foram apenas marginalmente mais úteis do que os placebos: 75% dos placebos foram tão eficazes quanto os antidepressivos. Kirsch resolveu então repetir o estudo, dessa vez com a análise de um conjunto de dados mais completo e padronizado.
Os dados que ele usou foram obtidos da Food and Drug Administration, a FDA [o órgão público americano encarregado do licenciamento e controle de medicamentos]. Quando buscam a aprovação da FDA para comercializar um novo remédio, os laboratórios farmacêuticos devem apresentar à agência todos os testes clínicos que patrocinaram. Os testes são geralmente duplo-cego e controlados com placebo. Ou seja: os pacientes participantes recebem aleatoriamente a droga ou o placebo, e nem eles nem os seus médicos sabem o que receberam.
Os pacientes são informados de que receberão ou um medicamento ativo ou um placebo. E também são avisados dos efeitos colaterais que podem ocorrer. Se dois testes comprovam que o medicamento é mais eficaz do que o placebo, ele é geralmente aprovado. Mas os laboratórios podem patrocinar quantos testes quiserem, e a maioria deles pode dar negativo – isto é, não mostrar a eficácia do remédio. Tudo o que eles precisam é de dois testes com resultados positivos. (Os resultados dos testes de um mesmo medicamento podem variar por muitas razões, entre elas a forma como o ensaio foi concebido e realizado, seu tamanho e os tipos de pacientes pesquisados.)
Por razões óbvias, as indústrias farmacêuticas fazem questão de que seus testes positivos sejam publicados em revistas médicas, e os médicos fiquem sabendo deles. Já os testes negativos ficam nas gavetas da FDA, que os considera propriedade privada e, portanto, confidenciais. Essa prática distorce a literatura médica, o ensino da medicina e as decisões de tratamento.

Kirsch e seus colegas usaram a Lei de Liberdade de Informação para obter as revisões da FDA de todos os testes clínicos controlados por placebo, positivos ou negativos, submetidos para a aprovação dos seis antidepressivos mais utilizados, aprovados entre 1987 e 1999: Prozac, Paxil, Zoloft, Celexa, Serzone e Effexor.
Ao todo, havia 42 testes das seis drogas. A maioria deles era negativo. No total, os placebos eram 82% tão eficazes quanto os medicamentos, tal como medido pela Escala de Depressão de Hamilton, uma classificação dos sintomas de depressão amplamente utilizada. A diferença média entre remédio e placebo era de apenas 1,8 ponto na Escala, uma diferença que, embora estatisticamente significativa, era insignificante do ponto de vista clínico. Os resultados foram quase os mesmos para as seis drogas: todos igualmente inexpressivos. No entanto, como os estudos positivos foram amplamente divulgados, enquanto os negativos eram escondidos, o público e os médicos passaram a acreditar que esses medicamentos antidepressivos eram altamente eficazes.
Kirsch ficou impressionado com outro achado inesperado. Em seu estudo anterior, e em trabalhos de outros, observara que até mesmo tratamentos com substâncias que não eram consideradas antidepressivas – como hormônio sintético da tireoide, opiáceos, sedativos, estimulantes e algumas ervas medicinais – eram tão eficazes quanto os antidepressivos para aliviar os sintomas da depressão. Kirsch escreve: “Quando administrados como antidepressivos, remédios que aumentam, diminuem ou não têm nenhuma influência sobre a serotonina aliviam a depressão mais ou menos no mesmo grau.”

O que todos esses medicamentos “eficazes” tinham em comum era que produziam efeitos colaterais, sobre os quais os pacientes participantes haviam sido informados de que poderiam ocorrer.
Diante da descoberta de que quase qualquer comprimido com efeitos colaterais era ligeiramente mais eficaz no tratamento da depressão do que um placebo, Kirsch especulou que a presença de efeitos colaterais em indivíduos que recebem medicamentos lhes permitia adivinhar que recebiam tratamento ativo – e isso foi corroborado por entrevistas com pacientes e médicos –, o que os tornava mais propensos a relatar uma melhora. Ele sugere que a razão pela qual os antidepressivos parecem funcionar melhor no alívio de depressão grave do que em casos menos graves é que os pacientes com sintomas graves provavelmente tomam doses mais elevadas e, portanto, sofrem mais efeitos colaterais.

Para investigar melhor se os efeitos colaterais distorciam as respostas, Kirsch analisou alguns ensaios que utilizaram placebos “ativos”, em vez de inertes. Um placebo ativo é aquele que produz efeitos colaterais, como a atropina – droga que bloqueia a ação de certos tipos de fibras nervosas. Apesar de não ser um antidepressivo, a atropina causa, entre outras coisas, secura da boca. Em testes utilizando atropina como placebo, não houve diferença entre os antidepressivos e o placebo ativo. Todos tinham efeitos colaterais, e todos relataram o mesmo nível de melhora.
Kirsch registrou outras descobertas estranhas em testes clínicos de antidepressivos, entre elas o fato de que não há nenhuma curva de dose-resposta, ou seja, altas doses não funcionavam melhor do que as baixas, o que é extremamente improvável para medicamentos eficazes.
“Ao se juntar tudo isso”, escreve Kirsch,“chega-se à conclusão de que a diferença relativamente pequena entre medicamentos e placebos pode não ser um efeito verdadeiro do remédio. Em vez disso, pode ser um efeito placebo acentuado, produzido pelo fato de que alguns pacientes passaram a perceber que recebiam medicamentos ou placebos. Se este for o caso, então não há nenhum efeito antidepressivo dos medicamentos. Em vez de compararmos placebo com remédio, estávamos comparando placebos ‘normais’ com placebos ‘extrafortes’.”
Trata-se de uma conclusão surpreendente, que desafia a opinião médica, mas Kirsch chega a ela de uma forma cuidadosa e lógica. Psiquiatras que usam antidepressivos – e isso significa a maioria deles – e pacientes que os tomam talvez insistam que sabem por experiência clínica que os medicamentos funcionam.
Mas casos individuais são uma forma traiçoeira de avaliar tratamentos médicos, pois estão sujeitos a distorções. Eles podem sugerir hipóteses a serem estudadas, mas não podem prová-las. É por isso que o desenvolvimento do teste clínico duplo-cego, aleatório e controlado com placebo, foi um avanço tão importante na ciência médica, em meados do século passado. Histórias sobre sanguessugas, megadoses de vitamina cou vários outros tratamentos populares não suportariam o escrutínio de testes bem planejados. Kirsch é um defensor devotado do método científico e sua voz, portanto, traz objetividade a um tema muitas vezes influenciado por subjetividade, emoções ou, como veremos, interesse pessoal.

O livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic [Anatomia de uma Epidemia], é mais amplo e polêmico. Ele leva em conta todas as doenças mentais, não apenas a depressão. EnquantoKirsch conclui que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes do que placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das drogas psicoativas não são apenas ineficazes, mas prejudiciais. Whitaker começa por observar que, se o tratamento de doenças mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com as patologias tratadas:
O número de doentes mentais incapacitados aumentou imensamente desde 1955 e durante as duas últimas décadas, período em que a prescrição de medicamentos psiquiátricos explodiu e o número de adultos e crianças incapacitados por doença mental aumentou numa taxa alucinante. Assim, chegamos a uma pergunta óbvia, embora herética: o paradigma de tratamento baseado em drogas poderia estar alimentando, de alguma maneira imprevista, essa praga dos tempos modernos?
Além disso, Whitaker sustenta que a história natural da doença mental mudou. Enquanto transtornos como esquizofrenia e depressão eram outrora episódicos, e cada episódio durava não mais de seis meses, sendo intercalado por longos períodos de normalidade, os distúrbios agora são crônicos e duram a vida inteira. Whitaker acredita que isso talvez aconteça porque os medicamentos, mesmo aqueles que aliviam os sintomas em curto prazo, causam em longo prazo danos mentais que continuam depois que a doença teria naturalmente se resolvido.
As provas que ele apresenta para essa teoria variam em qualidade. Whitaker não reconhece suficientemente a dificuldade de estudar a história natural de qualquer doença durante um período de cinquenta anos, no qual muitas circunstâncias mudaram, além do uso de medicamentos. É ainda mais difícil comparar resultados de longo prazo de pacientes tratados e não tratados. No entanto, os indícios de Whitaker são sugestivos, se não conclusivos.

Se as drogas psicoativas causam danos, como afirma Whitaker, qual é o seu mecanismo? A resposta, ele acredita, encontra-se em seus efeitos sobre os neurotransmissores. É bem sabido que as drogas psicoativas perturbam os neurotransmissores, mesmo que essa não seja a causa primeira da doença.
Whitaker descreve uma cadeia de efeitos. Quando, por exemplo, um antidepressivo como o Celexa aumenta os níveis de serotonina nas sinapses, ele estimula mudanças compensatórias por meio de um processo chamado feedback negativo. Em reação aos altos níveis de serotonina, os neurônios que a secretam liberam menos dela, e os neurônios pós-sinápticos tornam-se insensíveis a ela. Na verdade, o cérebro está tentando anular os efeitos da droga. O mesmo vale para os medicamentos que bloqueiam neurotransmissores, exceto no sentido inverso.
A maioria dos antipsicóticos, por exemplo, bloqueia a dopamina, mas os neurônios pré-sinápticos compensam isso liberando mais dopamina, e os neurônios pós-sinápticos a aceitam com mais avidez.
As consequências do uso prolongado de drogas psicoativas, nas palavras de Steve Hyman, até recentemente reitor da Universidade de Harvard, são “alterações substanciais e de longa duração na função neural”.
Depois de várias semanas de drogas psicoativas, os esforços de compensação do cérebro começam a falhar e surgem efeitos colaterais que refletem o mecanismo de ação dos medicamentos. Antipsicóticos causam efeitos secundários que se assemelham ao mal de Parkinson, por causa do esgotamento de dopamina (que também se esgota no Parkinson). À medida que surgem efeitos colaterais, eles são tratados por outros medicamentos, e muitos pacientes acabam tomando um coquetel de drogas psicoativas, prescrito para um coquetel de diagnósticos. Os episódios de mania causada por antidepressivos podem levar a um novo diagnóstico de “transtorno bipolar” e ao tratamento com um “estabilizador de humor”, como Depokote (anticonvulsivo), acompanhado de uma das novas drogas antipsicóticas. E assim por diante.
A respeitada pesquisadora Nancy Andreasen e seus colegas publicaram indícios de que o uso de antipsicóticos está associado ao encolhimento do cérebro, e que o efeito está diretamente relacionado à dose e à duração do tratamento. Como Andreasen explicou ao New York Times: “O córtex pré-frontal não obtém o que precisa e vai sendo fechado pelos medicamentos. Isso reduz os sintomas psicóticos. E faz também com que o córtex pré-frontal se atrofie lentamente.”
Largar os remédios é extremamente difícil, segundo Whitaker, porque quando eles são retirados, os mecanismos compensatórios ficam sem oposição. Quando se retira o Celexa, os níveis de serotonina caem bruscamente porque os neurônios pré-sinápticos não estão liberando quantidades normais. Da mesma forma, quando se suspende um antipsicótico, os níveis de dopamina podem disparar.Os sintomas produzidos pela retirada de drogas psicoativas são confundidos com recaídas da doença original, o que pode levar psiquiatras a retomar o tratamento com remédios, talvez em doses mais elevadas.
Whitaker está indignado com o que considera uma epidemia iatrogênica (isto é, introduzida inadvertidamente pelos médicos) de disfunção cerebral, especialmente a causada pelo uso generalizado dos novos antipsicóticos, como o Zyprexa, que provoca graves efeitos colaterais. Eis o que ele chama de “experimento de pensamento rápido”:
Imagine que aparece de repente um vírus que faz com que as pessoas durmam doze, catorze horas por dia. As pessoas infectadas se movimentam devagar e parecem emocionalmente desligadas. Muitas ganham quantidades imensas de peso – 10, 20 e até 50 quilos. Os seus níveis de açúcar no sangue disparam, assim como os de colesterol.
Vários dos atingidos pela doença misteriosa – entre eles, crianças e adolescentes – se tornam diabéticos. O governo federal dá centenas de milhões de dólares aos cientistas para decifrar o funcionamento do vírus, e eles relatam que ele bloqueia uma multidão de receptores no cérebro. Enquanto isso, exames de ressonância magnética descobrem que, ao longo de vários anos, o vírus encolhe o córtex cerebral, e esta diminuição está ligada ao declínio cognitivo. O público aterrorizado clama por uma cura.
Ora, essa doença está, de fato, atingindo milhões de crianças e adultos. Acabamos de descrever os efeitos do antipsicótico Zyprexa, um dos mais vendidos do laboratório Eli Lilly.

Leon Eisenberg, professor da Universidade Johns Hopkins e da Escola de Medicina de Harvard, escreveu que a psiquiatria americana passou,no final do século XX, de uma fase “descerebrada” para uma “desmentalizada”. Ele quis dizer que, antes das drogas psicoativas, os psiquiatras tinham pouco interesse por neurotransmissores ou outros aspectos físicos do cérebro. Em vez disso, aceitavam a visão freudiana de que a doença mental tinha suas raízes em conflitos inconscientes, geralmente com origem na infância, que afetavam a mente como se ela fosse separada do cérebro.

Com a entrada em cena dessas drogas, na década de 50 – processo que se acelerou na década de 80 –, o foco mudou para o cérebro. Os psiquiatras começaram a se referir a si mesmos como psicofarmacologistas, e se interessaram cada vez menos pelas histórias de vida dos pacientes.
A preocupação deles era eliminar ou reduzir os sintomas, tratando os pacientes com medicamentos que alterariam a função cerebral. Tendo sido um dos primeiros defensores do modelo biológico de doença mental, Eisenberg veio a se tornar um crítico do uso indiscriminado de drogas psicoativas, impulsionado pelas maquinações da indústria farmacêutica.
Quando as drogas psicoativas surgiram, houve um período de otimismo na profissão psiquiátrica, mas na década de 70 o otimismo deu lugar a uma sensação de ameaça. Ficaram claros os graves efeitos colaterais dos medicamentos e um movimento de antipsiquiatria lançou raízes, como exemplificam os escritos de Thomas Szasz e o filme Um Estranho no Ninho.
Havia também a concorrência crescente de psicólogos e terapeutas. Além disso, os psiquiatras sofreram divisões internas: alguns abraçaram o modelo biológico, outros se agarraram ao modelo freudiano, e uns poucos viam a doença mental como uma resposta sadia a um mundo insano. Ademais, dentro da medicina, os psiquiatras eram considerados uma espécie de parentes pobres: mesmo com suas novas drogas, eram vistos como menos científicos do que os outros especialistas, e sua renda era geralmente mais baixa.
No final da década de 70, os psiquiatras contra-atacaram, e com força. Como conta Robert Whitaker em Anatomy of an Epidemic, o diretor médico da Associação Americana de Psiquiatria, Melvin Sabshin, declarou, em 1977: “Devemos apoiar fortemente um esforço vigoroso para remedicalizar a psiquiatria.” E lançou uma campanha maciça de relações públicas para fazer exatamente isso.
A psiquiatria detinha uma arma poderosa, que seus concorrentes não podiam ter. Como cursaram medicina, os psiquiatras têm autoridade legal para escrever receitas. Ao abraçar o modelo biológico de doença mental, e o uso de drogas psicoativas para tratá-la, a psiquiatria conseguiu relegar os outros prestadores de serviços de saúde mental para cargos secundários. E se apresentou também como uma disciplina científica. E, o que é mais importante, ao enfatizar o tratamento medicamentoso, a psiquiatria tornou-se a queridinha da indústria farmacêutica, que logo tornou tangível sua gratidão.

A associação Americana de Psiquiatria, a APA, estava preparando então a terceira edição doManual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o DSM, que estabelece os critérios de diagnóstico para todos os transtornos mentais. O presidente da Associação havia indicado Robert Spitzer, eminente professor de psiquiatria da Universidade de Columbia, para chefiar a força-tarefa que supervisionaria o Manual.
As duas primeiras edições, publicadas em 1952 e 1968, refletiam a visão freudiana da doença mental, e eram pouco conhecidas fora da profissão. Spitzer decidiu fazer da terceira edição, o DSM-III, algo bem diferente. Ele prometeu que o Manual seria “uma defesa do modelo médico aplicado a problemas psiquiátricos”, e o presidente da Associação, Jack Weinberg, disse que ele “deixaria claro para quem tivesse dúvidas que consideramos a psiquiatria uma especialidade da medicina”.
Quando foi publicado, em 1980, o DSM-III continha 265 diagnósticos (acima dos 182 da edição anterior) e logo teve um uso quase universal: não apenas por parte de psiquiatras, mas também por companhias de seguros, hospitais, tribunais, prisões, escolas, pesquisadores, agências governamentais e médicos de todas as especialidades. Seu principal objetivo era trazer coerência (normalmente chamada de “confiabilidade”) ao diagnóstico psiquiátrico. Ou seja, garantir que os psiquiatras que viam o mesmo paciente concordassem com o diagnóstico. Para isso, cada diagnóstico era definido por uma lista de sintomas, com limites numéricos. Por exemplo, ter pelo menos cinco de nove sintomas determinados garantia ao paciente um diagnóstico definitivo de episódio depressivo dentro da ampla categoria de “transtornos do humor”.
Mas havia outro objetivo: justificar o uso de drogas psicoativas. Com efeito, Carol Bernstein, a presidente da apa, reconheceu isso ao escrever: “Na década de 70, foi preciso facilitar um acordo sobre diagnósticos entre clínicos, cientistas e autoridades reguladoras, dada a necessidade de ligar os pacientes aos novos tratamentos farmacológicos.”
A terceira edição do Manual era talvez mais “confiável” do que as versões anteriores, mas confiabilidade não é a mesma coisa que validade. O termo confiabilidade é usado como sinônimo de “coerência”; validade refere-se à correção ou solidez. Se todos os médicos concordassem que as sardas são um sinal de câncer, o diagnóstico seria “confiável”, mas não válido.
O problema com o Manual é que, em todas as suas edições, ele simplesmente refletia as opiniões de seus autores. E, no caso do DSM-III, sobretudo as opiniões do próprio Spitzer, que foi apontado com justiça como um dos psiquiatras mais influentes do século xx. Em suas palavras, ele “pegou todo mundo com quem se sentia à vontade” para participar da força-tarefa de quinze membros, e houve queixas de que ele convocou poucas reuniões e conduziu o processo de uma maneira desordenada, mas ditatorial.
Num artigo de 1984 intitulado “As desvantagens do DSM-III superam suas vantagens”, George Vaillant, professor de psiquiatria de Harvard, afirmou que o DSM-III representou “uma audaciosa série de escolhas baseadas em palpite, gosto, preconceito e esperança”, o que parece ser uma boa descrição.

O DSM se tornou a bíblia da psiquiatria e, tal como a Bíblia cristã, dependia muito de algo parecido com a fé: não há nele citações de estudos científicos para sustentar suas decisões. É uma omissão espantosa, porque em todas as publicações médicas, sejam revistas ou livros didáticos, as declarações de fatos devem estar apoiadas em referências comprováveis. (Há quatro “livros de consulta” separados para a edição atual do DSM, que apresentam a razão para algumas decisões, junto com referências, mas isso não é a mesma coisa que referências específicas.)
Pode ser de muito interesse para um grupo de especialistas se reunir e dar suas opiniões, mas a menos que essas opiniões possam ser sustentadas por provas, elas não autorizam a deferência extraordinária dedicada ao DSM. “A cada edição subsequente”, escreve Daniel Carlat, “o número de categorias de diagnósticos se multiplicava, e os livros se tornaram maiores e mais caros. Cada um deles se tornou um best-seller, e o DSM é hoje uma das principais fontes de renda da Associação Americana de Psiquiatria.” O Manual atual, o DSM-IV, vendeu mais de 1 milhão de exemplares.
Os laboratórios farmacêuticos passaram a dar toda a atenção e generosidade aos psiquiatras, tanto individual como coletivamente, direta e indiretamente. Choveram presentes e amostras grátis, contratos de consultores e palestrantes, refeições, ajuda para participar de conferências. Quando os estados de Minnesota e Vermont implantaram “leis de transparência”, que exigem que os laboratórios informem todos os pagamentos a médicos, descobriu-se que os psiquiatras recebiam mais dinheiro do que os médicos de qualquer outra especialidade. A indústria farmacêutica também subsidia as reuniões da APA e outras conferências psiquiátricas. Cerca de um quinto do financiamento da APA vem agora da indústria farmacêutica.
Os laboratórios buscam conquistar psiquiatras de centros médicos universitários de prestígio. Chamados pela indústria de “líderes-chave de opinião”, eles são os profissionais que, por meio do que escrevem e ensinam, influenciam o tratamento das doenças mentais. Eles também publicam grande parte da pesquisa clínica sobre medicamentos e, o que é fundamental, determinam o conteúdo do DSM. Em certo sentido, eles são a melhor equipe de vendas que a indústria poderia ter e valem cada centavo gasto com eles. Dos 170 colaboradores da versão atual do DSM, dos quais quase todos poderiam ser descritos como líderes-chave, 95 tinham vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos, inclusive todos os colaboradores das seções sobre transtornos de humor e esquizofrenia.
Carlat pergunta: “Por que os psiquiatras estão na frente de todos os outros especialistas quando se trata de tomar dinheiro de laboratórios?” Sua resposta: “Nossos diagnósticos são subjetivos e expansíveis, e temos poucas razões racionais para a escolha de um tratamento em relação a outro.” Ao contrário das enfermidades tratadas pela maioria dos outros ramos da medicina, não há sinais ou exames objetivos para as doenças mentais – nenhum dado de laboratório ou descoberta por ressonância magnética – e as fronteiras entre o normal e o anormal são muitas vezes pouco claras. Isso torna possível expandir as fronteiras do diagnóstico ou até mesmo criar novas diagnoses, de uma forma que seria impossível, por exemplo, em um campo como a cardiologia. E as empresas farmacêuticas têm todo o interesse em induzir os psiquiatras a fazer exatamente isso.
Além do dinheiro gasto com os psiquiatras, os laboratórios apoiam muitos grupos de defesa de pacientes e organizações educacionais. Whitaker informa que, somente no primeiro trimestre de 2009, o “Eli Lilly deu 551 mil dólares à Aliança Nacional para Doenças Mentais, 465 mil dólares para a Associação Nacional de Saúde Mental, 130 mil dólares para um grupo de defesa dos pacientes de déficit de atenção/hiperatividade, e 69 250 dólares para a Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio”.
E isso foi o que apenas um laboratório gastou em três meses; pode-se imaginar qual deve ser o total anual de todas as empresas que produzem drogas psicoativas. Esses grupos aparentemente existem para conscientizar a opinião pública sobre transtornos psiquiátricos, mas também têm o efeito de promover o uso de drogas psicoativas e influenciar os planos de saúde para cobri-los.

Como a maioria dos psiquiatras, Carlat trata seus pacientes apenas com medicamentos, sem terapia de conversa, e é sincero a respeito das vantagens de fazer isso. Ele calcula que, se atender três pacientes por hora com psicofarmacologia, ganha cerca de 180 dólares por hora dos planos de saúde. Em contrapartida, poderia atender apenas um paciente por hora com terapia de conversa, pela qual os planos lhe pagariam menos de 100 dólares. Carlat não acredita que a psicofarmacologia seja particularmente complicada, muito menos precisa, embora o público seja levado a acreditar que é.
Seu trabalho consiste em fazer aos pacientes uma série de perguntas sobre seus sintomas, para ver se eles combinam com algum dos transtornos catalogados no DSM. Esse exercício de correspondência, diz ele, propicia “a ilusão de que compreendemos os nossos pacientes, quando tudo o que estamos fazendo é atribuir-lhes rótulos”. Muitas vezes os pacientes preenchem critérios para mais de um diagnóstico, porque há sobreposição de sintomas.
Um dos pacientes de Carlat acabou com sete diagnósticos distintos. “Nós miramos sintomas distintos com os tratamentos, e outros medicamentos são adicionados para tratar os efeitos colaterais.” Um paciente típico, diz ele, pode estar tomando Celexa para depressão, Ativan para ansiedade, Ambien para insônia, Provigil para fadiga (um efeito colateral do Celexa) e Viagra para impotência (outro efeito colateral do Celexa).
Quanto aos próprios medicamentos, Carlat escreve que “há apenas um punhado de categorias guarda-chuva de drogas psicotrópicas”, sob as quais os medicamentos não são muito diferentes uns dos outros. Ele não acredita que exista muita base para escolher entre eles. E resume:
Assim é a moderna psicofarmacologia. Guiados apenas por sintomas, tentamos diferentes medicamentos, sem nenhuma concepção verdadeira do que estamos tentando corrigir, ou de como as drogas estão funcionando. Espanto-me que sejamos tão eficazes para tantos pacientes.
Carlat passa então a especular, como Kirsch em The Emperor’s New Drugs, que os pacientes talvez estejam respondendo a um efeito placebo ativado. Se as drogas psicoativas não são tudo o que é alardeado – e os indícios indicam que não são –, o que acontece com os próprios diagnósticos? Como eles se multiplicam a cada edição do DSM?

Em 1999, a APA começou a trabalhar em sua quinta revisão do DSM, programado para ser publicado em 2013. A força-tarefa de 27 membros é chefiada por David Kupfer, professor de psiquiatria da Universidade de Pittsburgh. Tal como nas edições anteriores, a força-tarefa é assessorada por vários grupos de trabalho, que agora totalizam cercade 140 membros, correspondentes às categorias principais de diagnóstico. As deliberações e propostas em curso foram amplamente divulgadas, e parece que a constelação de transtornos mentais vai crescer ainda mais.
Em particular, os limites dos diagnósticos serão ampliados para incluir os precursores dos transtornos, tais como “síndrome do risco de psicose” e “transtorno cognitivo leve” (possível início do mal de Alzheimer). O termo “espectro” é usado para ampliar categorias, e temos,por exemplo, “espectro de transtorno obsessivo-compulsivo”, “transtorno do espectro da esquizofrenia” e “transtorno do espectro do autismo”. E há propostas para a inclusão de distúrbios totalmente novos, como “transtorno hipersexual”, “síndrome das pernas inquietas” e “compulsão alimentar”. Até mesmo Allen Frances, presidente da força-tarefa do DSM-IV, escreveu que a próxima edição do Manual será uma “mina de ouro para a indústria farmacêutica”.
A indústria farmacêutica influencia psiquiatras a receitar drogas psicoativas até mesmo a pacientes para os quais os medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que deveria preocupar enormemente é o aumento espantoso do diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas com apenas 2 anos de idade. Essas crianças são tratadas muitas vezes com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA para uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em 500 crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por cento dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes diários para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.
Seria muito difícil achar uma criança de 2 anos que não seja às vezes irritante, um menino de 5ª série que não seja ocasionalmente desatento, ou uma menina no ensino médio que não seja ansiosa. Rotular essas crianças como tendo um transtorno mental e tratá-las com medicamentos depende muito de quem elas são e das pressões que seus pais enfrentam.
Como as famílias de baixa renda estão passando por dificuldades econômicas crescentes, muitas descobriram que o pedido de renda de seguridade suplementar com base na invalidez mental é a única maneira de sobreviver. Segundo um estudo da Universidade Rutgers, descobriu-se que crianças de famílias de baixa renda têm quatro vezes mais probabilidade de receber medicamentos antipsicóticos do que crianças com plano de saúde privado.
Os livros de Irving Kirsch, Robert Whitaker e Daniel Carlat são acusações enérgicas ao modo como a psiquiatria é praticada hoje em dia. Eles documentam o “frenesi” do diagnóstico, o uso excessivo de medicamentos com efeitos colaterais devastadores e os conflitos de interesse generalizados. Os críticos podem argumentar, como Nancy Andreasen o faz em seu artigo sobre a perda de tecido cerebral no tratamento antipsicótico de longo prazo, que os efeitos colaterais são o preço que se deve pagar para aliviar o sofrimento causado pela doença mental. Se soubéssemos que os benefícios das drogas psicoativas superam seus danos, isso seria um argumento forte, uma vez que não há dúvida de que muitas pessoas sofrem gravemente com doenças mentais. Mas como Kirsch, Whitaker e Carlat argumentam, essa expectativa pode estar errada.

No mínimo, precisamos parar de pensar que as drogas psicoativas são o melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos têm se mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não existe indústria que promova essas alternativas. Mais pesquisas são necessárias para estudar alternativas às drogas psicoativas.
Em particular, precisamos repensar o tratamento de crianças. Nesse ponto, o problema é muitas vezes uma família perturbada em circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas condições ambientais – como auxílio individual para pais ou centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e comparados com o tratamento farmacológico.
No longo prazo, essas alternativas seriam provavelmente mais baratas. Nossa confiança nas drogas psicoativas, receitadas para todos os descontentes com a vida, tende a excluir as outras opções. Em vista dos riscos, e da eficácia questionável dos medicamentos em longo prazo, precisamos fazer melhor do que isso. Acima de tudo, devemos lembrar o consagrado ditado médico: em primeiro lugar, não causar dano (primum non nocere).



Revista Piauí 08/2011

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Manual do Guerrilheiro Urbano

Manual do Guerrilheiro Urbano
Autor: Carlos Marighella

O guerrilheiro urbano é um inimigo implacável do governo e infringem danos sistemáticos as autoridades e aos homens que dominam e exercem o poder. O guerrilheiro urbano é caracterizado por sua valentia e natureza decisiva. O guerrilheiro urbano não teme desmantelar ou destruir o presente sistema econômico, político e social brasileiro, já que sua meta é ajudar o guerrilheiro rural e colaborar para a criação de um sistema totalmente novo e uma estrutura revolucionária social e política, com as massas armadas no poder. O guerrilheiro urbano tem que ter um mínimo de entendimento político. Para conseguir isso, tem que ler certos trabalhos impressos ou mimeografados como: Guerra de Guerrilha por Che Guevara, Memórias de um terrorista, algumas perguntas dos guerrilheiros brasileiros sobre os problemas e princípios estratégicos, certos princípios táticos para camaradas levando em conta operações de guerrilha, perguntas organizacionais, ou guerrilheiro, jornal dos grupos revolucionários brasileiros.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Tarja Preta

“i burn the competition like a flamethrower”
Adam Yauch

Baratos afins, sinônimo de destruição
Parado na garganta do diabo
Dou um cuspe para cima
Que ao menos me refresca a vista.
Estúpida idéia fixa,
Que me atormenta as idéias.
Rotina, barulho, rotina.
Barulho queima a retina, bagulho.
Mergulho de cabeça no acido
Caustico que é meu humor;
Lento é o caminho do horror
Transformado em paranóia delirante
No mesmo instante que agora
Estoura uma confusão – uma confissão –
Sou totalmente LOUCO!!!

Marcelo Riboni
13/05/2011
23:15hrs

Trinca dos T's Pt.3 - Tarde Demais

Eu gostaria de desaparecer.
Sumir daqui, sair e não voltar mais;
Deixar as mesmas coisas inacabadas
Acabarem por si só, não me importar.
Fazer de conta que não sou eu.

Eternamente ser um fantasma.
Que minha irritação surda cale as pessoas
Que ficam mudas aos sentimentos
E gritam através atitudes impensadas.
Acordar de um sonho que me foi negado.

Consumir a realidade em goles
Com seu sabor bem amargo,
Fazendo o papel de ridículo
Num mundo de mentira
E não me importar com o que dizem.

Marcelo Riboni
27/04/2011
01:17hrs

Trinca dos T's Pt.2 - Trincado

É impossível imaginar
O que você faria se estivesse no meu lugar.
E como tudo seria mais fácil
Não ter que decidir, não ter que escolher;
Sem nada, sem sacrifício
Então a gente nem mesmo teria um inicio

Mas as muralhas estão lá,
Dentro da cabeça e não deixam que eu esqueça
As neuroses cotidianas,
De um personagem do Woody Allen
Perdido no meio de um filme de Clive Barker
Sem noção, sem tempo e sem alma.

Um mundo maluco se forma
Em torno de mim que
Corro, corro, corro
Fugindo de fantasmas
Que já nem estão mais lá
E quando paro, reparo que é o fim!

Marcelo Riboni
16/04/2011
21:02hrs.

Trinca dos T's Pt.1 - Tristeza

Os dias passam
Com o vento,
Com a chuva ,
E com o sol que as vezes brilha.
Mas o meu caminho e a minha trilha
Nem sempre estão claros.

Choro baixinho, escondido
No ritmo da minha tristeza.
E com as lagrimas secretamente caindo
Abandono lentamente as lamentações.

E com chuva que caía;
A rua fica vazia;
Alguns passantes anônimos
Deixam seus passos marcados
Em algum lugar
De uma foto antiga.

“A mujeres como yo no las conoces, las contraes”
Xavier Velasco, Diablo Guardián

Marcelo Riboni
10/03/2011
21:43hrs

Fotos em preto & Branco

Deitado ao lado de memórias,
Apagadas como fotos,
De historias mal explicadas.
Sujeito a sujeiras da vida
Que passa despercebida,
Olhando prédios,
Em busca de um descanso
Em alguns instantes sem paz,
Enquanto ouço velhas queixas de um rapaz.
Que um dia morreu de namores, de tristeza e agonia;
Sozinho e sem rumo
Perfeito mas sem alma
Sei foi.
Este rapaz era EU!!!